Todo grande homem é uma causa, um país e uma era. Disraeli foi tudo isso e desfrutou cada minuto de uma vida incomparável
Eurípedes Alcântara
A Vida de Disraeli – Primeiro-Ministro & Amigo da Rainha Victoria, obra do mestre francês das biografias André Maurois (1885-1967), acaba de ganhar magnífica e fluida tradução de Gleuber Vieira para o português (Nova Fronteira; 249 páginas; 49,90 reais). Por que ler sobre a vida de um aristocrata inglês do século XIX quando parece se desmanchar no ar em profunda crise de identidade o sólido mundo que ele e sua turma ajudaram a criar? Um mundo dominado pela democracia representativa amparada nas virtudes e pecados da civilização ocidental sob o patrocínio do capitalismo industrial e financeiro e movido a inovações tecnológicas. São múltiplas as razões. Uma delas é a de que para um estadista não existem surpresas, mas páginas das biografias dos grandes homens que ele não leu. Portanto, na improbabilíssima hipótese de se desmanchar no ar o mundo que conhecemos, ele terá de ser reconstruído. A vida de Benjamin Disraeli, bem estudada, pode fornecer os fundamentos arquitetônicos de um sistema político que, malgrado seus vícios, funciona, se transforma, progride e visa ao bem-estar da maioria.
Disraeli chegou ao topo sendo judeu, de origem italiana, em uma monarquia cristã em que o soberano era e é até hoje o chefe supremo da igreja. Ele nunca abjurou completamente de sua fé, mas também nunca a proclamou. Talvez só o filósofo judeu Moses Mendelssohn (1729-1786), avô do compositor Felix Mendelssohn, tenha tido uma trajetória de sucesso comparável à de Disraeli. Gago, corcunda, Mendelssohn entrou em Berlim, ainda uma cidade medievalmente fortificada, pelo portão destinado aos animais. Mendelssohn pagou imposto de gado sobre o próprio corpo. Quinze anos depois, era o mais influente intelectual da Alemanha e um dos expoentes do iluminismo europeu, que ele combinou racionalmente com a fé judaica. A Europa ao tempo de Mendelssohn e Disraeli discriminava os judeus por sua religião e sua cultura. Esse sentimento só mais tarde, no século XX, degeneraria em antissemitismo. A diferença? De vida e morte. O antijudaísmo era uma doença social contornável pela tolerância simplesmente ou pela abjuração religiosa e o abrandamento cultural, a assimilação dos judeus no seio das maiorias que lhes eram hostis. O holocausto promovido por Hitler só começou a ser desenhado quando o ódio foi criminosamente transferido para a raça. Raça não se abjura, não se abranda, e uma guerra contra uma raça só se ganha com a eliminação física do inimigo. Que também o sentimento de justiça social tenha degenerado em tiranias comunistas assassinas diz muito sobre o século XX.
GLADSTONE: Quatro vezes primeiro-ministro e pai do capitalismo empresarial privado [Bettmann/Corbis/Latinstock]
DISRAELI E 31 DE SEUS EPIGRAMAS: A sabedoria também pode vir em pílulas
"A melhor coisa que se pode fazer pelo próximo não é dividir com ele suas riquezas, mas revelar-lhe as dele."
"A segunda coisa melhor do que saber aproveitar uma oportunidade na vida é saber quando deixá-la passar."
"As paixões, as diferenças políticas e os prazeres são comuns. O que distingue um homem é a sabedoria."
"A mais perigosa das estratégias é tentar saltar sobre um abismo com um salto de duas passadas."
"Como regra geral, o homem mais bem-sucedido na vida é aquele com as melhores informações."
"As pessoas podem formar comunidades, mas as instituições, e só elas, criam uma nação."
"Era um daqueles homens que acreditavam poder mudar o mundo escrevendo um panfleto."
"Fale com as mulheres o máximo que puder. Essa é a melhor maneira de aprender a falar com facilidade, pois não precisa se preocupar com o que está dizendo."
"Minha ideia de uma pessoa agradável é a de uma pessoa que concorda comigo."
"Todos nascemos para o amor. Ele é o princípio da existência e seu único objetivo."
"A juventude é dissipação. A vida adulta, uma luta. A velhice, um arrependimento."
"Nenhum governo pode dizer que é um sucesso sem uma oposição formidável."
"O caráter não muda como as opiniões. O caráter só pode ser desenvolvido."
"As mentiras são de três tipos: mentiras, malditas mentiras e estatísticas."
"A ação pode não trazer felicidade. Mas não existe felicidade sem ação."
"O mundo está cansado de homens de estado degradados em políticos."
"Uma nação é tão forte quanto as mulheres por trás de seus homens."
"Em sociedade nunca raciocine. Isso pode soar ofensivo para alguns."
"Ordem e limpeza não são instintivas. Precisam ser cultivadas."
"Chatice? Alguém que discursa bem mas não sabe conversar."
"A magia do primeiro amor é ignorar que ele vai acabar."
"Quanto mais falam de você, menos poderoso você é."
"A coragem é a qualidade mais rara na vida pública."
"É muito mais fácil ser crítico do que correto."
"A justiça é a verdade posta para trabalhar."
"A ignorância nunca resolve uma questão."
"Leia biografias - são a vida sem teoria."
"A vida é muito curta para ser pequena."
"Acreditar em heroísmo faz heróis."
"O medíocre fala. O gênio observa."
"Nunca reclame. Nunca explique."
É preciso procurar muito para encontrar um exemplo de rivalidade política mais genuína, duradoura, cínica, implacável e tão nobremente exercida quanto a que uniu, por quase todo o período de glória do império britânico na segunda metade do século XIX, os antípodas Benjamin Disraeli e William Gladstone. O judeu conservador Disraeli foi primeiro-ministro duas vezes. O anglicano liberal Gladstone, quatro. Disraeli era paparicado pela rainha Vitória como um primo distante de nobreza presumida. Gladstone, tratado com a admiração e o respeito devidos a uma cozinheira de dotes inigualáveis. É preciso também procurar muito para encontrar uma rivalidade tão formidavelmente descrita como foi a de Disraeli e Gladstone pelo biógrafo do primeiro, André Maurois. Uma pequena mostra disso vai nestes trechos:
"Dizia-se de Gladstone que podia convencer os outros de muitas coisas e a si mesmo de qualquer coisa. Disraeli podia persuadir os outros, mas era impotente com relação a si mesmo (...) Disraeli tinha a certeza de que Gladstone não era santo, mas Gladstone não tinha certeza de que Disraeli não era o diabo (...) Gladstone aceitava como verdadeiras todas as cínicas profissões de fé que Disraeli fazia como provocação. Disraeli considerava hipócritas as frases com que Gladstone de boa-fé ficava se enganando. Disraeli, o doutrinário, orgulhava-se de ser oportunista; Gladstone, o oportunista, jactava-se de ser doutrinário. Disraeli, que afetava menosprezar a razão, raciocinava bem. Gladstone, que acreditava raciocinar bem, só agia com paixão. Gladstone, possuidor de grande fortuna, ainda controlava as despesas diárias; Disraeli, com suas enormes dívidas, gastava seu dinheiro sem contá-lo. Ambos apreciavam Dante, mas Disraeli preferia o Inferno, e Gladstone, o Paradiso. Disraeli, que tinha fama de frívolo, em sociedade se mostrava taciturno; Gladstone, supostamente sério, era tão encantador que, para odiá-lo, alguém teria de evitar encontrá-lo. Gladstone se interessava somente por duas coisas: religião e finanças. Disraeli se interessava por mil coisas, entre elas, religião e finanças. "
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